Arquivo do mês: dezembro 2012

Ensaio contra o conservador

Seja no que ele for empregado, o conservadorismo é um entrave e disso não restam dúvidas. Claro que em momentos de crise, onde a sociedade como um todo flutua sem perspectivas de um futuro minimamente agradável a curto ou médio prazo, alguns discursos voltam a nos assombrar, velhas fórmulas são reutilizadas e passam por novas. O conservador retorna. Sempre recorrendo a maniqueísmos culturais que representariam uma caricatura ultrapassada do que é bom ou não. Como manter certezas obsoletas? Esse pode ser um dos mantras do conservador.

Penso que estamos num desses momentos, guardada as devidas proporções, em que o discurso retrógrado parece retomar um pouco da sua força. Cativa quem está acuado e com medo do futuro (que é incerto, sempre foi) ao mesmo tempo em que convence uma grande parcela da juventude que começa abrir as suas “portas da percepção”, quase sempre sem muitos referenciais. E quando falo da falta de referencias, estou sendo abrangente, vou da política à literatura, da filosofia à música. Praticamente todos os principais ícones dessas áreas que citei estão velhos e daqui há 15 ou no máximo 20 anos provavelmente nem estarão mais vivos.

Podemos enxergar uma mudança drástica na relação, por exemplo, que a juventude tem com política. Os partidos não são mais uma alternativa viável de transformação, no entendimento geral. Não que a contestação ou a rebeldia, tão próprias do espírito jovem, se perderam. Quero crer que está somente adormecido, melhor, anestesiado. O pouco que resta desse espírito impetuoso e crítico da juventude, hoje foca em outros caminhos, por outras vias que não as organizações políticas tradicionais. Isso é uma característica muito forte do presente, e que, a julgar pelo andar da carruagem, tende a se intensificar.

Não vou abrir tanto o debate, quero me focar em um assunto específico: o conservadorismo e a arte. Onde entra essa questão e por que deve ser discutida? Hoje quem tem entre 20 e 30 anos, cresceu construindo seus parâmetros críticos e analíticos com base em um acúmulo de conhecimento comum a quem também é de sua geração. Certos signos de uma época, referenciais máximos de qualidade (ou falta dela) vão aos poucos se perdendo com o passar do tempo. A geração que cresce agora baseia suas análises e críticas em parâmetros voláteis. Como exigir de um adolescente que perceba o decréscimo cultural que vivemos, se ele não viveu num período em que a arte tinha outro valor? Ou saber que existiu um dia um ritual comum entre os admiradores de música em torno do disco, que tornava a audição de um álbum quase que numa experiência transcendental? Como exigir que saiba, se entrarmos no campo da política, quais são as divergências históricas entre a esquerda e a direita? Se ele cresceu vendo o PT aliado ao PMDB no Brasil inteiro. Como esperar que a juventude leia mais livros, se eles estão cada vez mais caros, ao passo que a internet oferece conteúdo rápido, barato, visualmente atraente e mastigado?

Imagina só: quem construiu todos os seus parâmetros de qualidade sobre certos referenciais começa a perceber que vários deles estão caindo e terão que, daqui a poucos anos, dar lugar a novas formas de se produzir e consumir arte. Também muda a maneira d e escolher como e em quem votar (essa parece ser a questão mais fácil de responder, “político não presta”). Enfim, tudo que mais importa nesse mundo está mudando, e muito. Isso apavora ao mesmo tempo em que infla o conservador, porque ele vê que suas fórmulas e esquemas não se encaixam mais tão bem e, em função disso, se mantém cada vez mais fiel aos seus dogmas preciosos.

É fundamental ressaltar que o conservador está em todo lugar, ouvindo, assistindo e lendo todo tipo de conteúdo, vai do metal ao jazz, da filosofia ao HQ. Sempre apegado a ninharias teóricas.

Não pense que sou mais um dos milhões de nostálgicos que vivem por aí reclamando, enchendo, resmungando, que não se faz mais nada tão bom como antigamente (se bem que esse raciocínio se aplica perfeitamente a eletrodomésticos), e que boa mesmo era a “minha época”, lá tudo era melhor, inclusive o que já era muito ruim. Se nivelarmos essa análise por cima, como tem que ser feito, veremos que a produção artística, de fato, decaiu em termos de qualidade, em todos os setores. Mas o que temos é o nivelamento por baixo. Não me venha dizer que décadas atrás, quando não existia o funk carioca, sertanejo universitário e boy bands, o mundo, e o Brasil, estavam livres da avalanche de mau gosto pop, e que por isso não estávamos tão mal. Desde o início da indústria do entretenimento se fabrica lixo, sempre foi o que mais vendeu e possivelmente ainda será, por muito tempo.

A grande diferença é que para contrabalancear essa realidade tínhamos artistas de primeira grandeza, em todos os cantos e nichos, disputando a consciência das pessoas, sem medo de dar a cara à tapa para o grande público, o que parece faltar hoje. Os guetos artísticos estão cada vez mais presentes. A impressão que dá, é que vivemos em um cenário onde quase tudo já foi explorado e resta ao sujeito/artista, apenas a tarefa de remodelar ou misturar o que ainda não foi mexido. Poucos conseguem apontar novos rumos.

Caminhamos a passos largos, e irreversíveis, rumo a homogeneização. Os traços de cultura local apagam-se com o passar dos anos, e isso é potencializado pela rede mundial de informações e influências a que estamos submetidos. A música mais “bombada” pode até ser de um coreano; os livros mais vendidos podem ser de escritores de origem árabe, tudo pode. Desde que obedecendo aos padrões de formatação estadunidenses, como de praxe. Não se trata aqui de um ranço contra nossos irmãos da terra do Tio Sam, mas a máquina funciona assim, há décadas. O esperanto pode não ter pego em lugar algum, mas artisticamente, tudo aponta para uma linguagem comum. Tudo cada vez mais parecido.

Ainda acredito no nosso futuro, enquanto seres humanos capazes de sobreviver em um mundo cada vez mais inóspito, e se a arte estiver cambaleante nesse cenário, há grandes chances de que todo o resto vá por água abaixo. O papel nocivo do conservador é justamente o de não acreditar e não enxergar as perspectivas que o presente aponta, sempre se abraçando ao passado reconfortante (e morto, ás vezes).

Temos uma demanda gigantesca por pensadores, vanguardistas, radicais do presente. Que entendam, mais, que aceitem viver plenamente o seu tempo, para o seu tempo e, finalmente, para o futuro. Não se trata de abandonar o passado, longe disso. Trata-se apenas de entender que hoje quem tem 20, 30, 40 anos, ainda vai acompanhar muitas transformações pela frente. Vai, na melhor das hipóteses, ser um agente da construção desse cenário hipotético e nebuloso que é o futuro.

Não sou um sujeito otimista, e se o tempo que nos espera ao fim da curva for mais sombrio do que imagino, não vou me surpreender. A questão é que tem gente boa, outros ainda muito melhores que eu e que você, batalhando por aí. Não posso fechar os olhos para isso. E se enxergo, como ignorar?